Uma típica cena suburbana desenhada por Jano.

terça-feira, 6 de janeiro de 2015

Vida de cão



Sentado na calçada de pedras portuguesas, recostado à parede entre a lanchonete e o pequeno salão de belezas, aquela criatura negra e suja, incômoda aos olhos de quem passava, insistia em sobreviver no inóspito ambiente da cidade grande. Seu cheiro era insuportável e pior ainda era seu olhar de fome, que tirava o apetite de quem apoiava os cotovelos no balcão para abocanhar um enorme e merecido joelho de presunto e queijo. O jeito era elevar os olhos para a tevê pendurada entre as frutas que dali a pouco virariam saladas ou sucos.

Eis, então, que o noticiário trouxe a triste notícia de que pessoas terríveis, sem alma e sem coração, haviam abandonado um pobre cachorrinho preto à beira da estrada. Tentando disfarçar, aquele desumano casal parou o carro à margem da pista, abriu a porta traseira, puxou o serzinho adorável para fora do carro e amarrou-o na grade de uma casa, talvez, não dava para ter certeza. E como se quisessem atenuar sua pena em algum futuro tribunal, ainda deixaram uma vasilha com água, a fim de que o enjeitado bichinho não morresse de sede até que algum bom samaritano lhe desse casa e comida.

Foi o que aconteceu para a felicidade de quem mordiscava o sanduíche de salada de atum no pão integral: pessoas de verdade apareceram e salvaram o desabrigado cãozinho do perigo das ruas. Ainda há alguma esperança para a humanidade, porque, enquanto uns ainda insistem em praticar o mal, outros valentes persistem em manter acesa a chama da bondade em nossos corações. E limpando a boca após o último gole de suco de abacaxi com hortelã, saiu feliz da lanchonete, como se flutuasse em sonhos.

Tivesse descido um pouco das nuvens, teria reparado o segurança do comércio local, igualmente negro mas limpinho, retirando o rapaz que incomodava aos que ali queriam passar. Como os antigos feitores e capitães do mato, aquele trabalhador deveria fazer o serviço sujo de higienizar as calçadas da gente de bem. E ao contrário do pobre cão pretinho, aquele incômodo negro não ganharia uma família ou um lar, mas peregrinaria pelas ruas tentando, indignado e humilhado, compreender a covardia das leis que regem as coloniais pedras portuguesas: se aqui eu não posso sentar, será que me deixam roubar?

Márcio Hilário
06-01-2015

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Realidade ou ficção, o claro direito ao perdão




“Sempre assisto à Rede Globo
Com uma arma na mão.
Se aparece o Francisco Cuoco,
Adeus televisão”
(“Psicopata”, Capital Inicial)

Mais um final de férias e tudo parece estar chegando ao fim... mas só parece, porque nada realmente começa com caráter oficial no Brasil antes do carnaval. Por isso mesmo é que as pessoas nem recolheram todas as coisas da geladeira da casa de praia, pois, como já cantaram Tom e Chico, “vou voltar, sei que ainda vou voltar”. Final de verdade só o da ficção: a novela − manifestação artística preferida do brasileiro, que se especializou em tomar conta da vida alheia – parece estar chegando ao fim... mas só parece, porque nenhuma novela realmente termina com caráter oficial no Brasil nem antes nem depois do carnaval.

Bisneta dos folhetins do século XIX, a novela passou pelas mídias impressas sem e com foto, vagueou nas ondas do rádio e finalmente desembarcou na televisão. Este meio de comunicação, que chegou ao Brasil nos anos 50, foi progressivamente ocupando um espaço absurdamente imenso na vida da população, principalmente na daquela que vive nos subúrbios, onde as biroscas com mesas de sinuca, carteado e maquininhas de caça-níquel são os únicos sinônimos de convivência e diversão. Claro que, por entre as quadras e lotes do lugar, também há espaço para os batuques, os incensos, os gritos, as palmas e os louvores na disputa pelo coração dos homens. Porém, tudo isso para quando começa a novela.

Um famoso crítico literário brasileiro já dizia que o romance serve para entreter, educar e refletir. Leia-se com mais cuidado: ser uma válvula de escape da realidade e um bom passatempo; formar nos valores morais das classes dominantes da sociedade; e fazer uma profunda reflexão existencial sobre as contradições da alma humana. O crítico ainda assinala que, embora a última função listada seja a mais profundamente importante para o nosso crescimento como indivíduos, é a última a ser praticada com mais empenho pelos escritores. A mim parece que a primeira é a mais inocente, mas, combinada com a perversidade da segunda, pode ser bem traiçoeira.

É justamente por isso que não vejo com nenhuma inocência a conversão de um personagem que cometeu toda a sorte de crimes e perversidades no decorrer da trama. Em poucos capítulos, o vilão tornou-se o queridinho do Brasil. Aliás, a palavra “vilão” − que designava os moradores das vilas, das periferias − já nos diz muito sobre a longa história da criminalização da pobreza. Enfim, todos afinal têm direito ao perdão... sim... desde que sejam brancos das elites urbanas do nosso país. Fossem eles os mesmos negros e mulatos – esta palavra deriva de “mula”, tá?! – que figuram nos mais diversos programas policiais da tevê deveriam ser todos condenados à morte antes mesmo do nascimento. É a mais contundente prova de que vida e arte realmente se confundem e que o direito ao perdão é uma questão de tom... claro!

Márcio Hilário
28-01-2013

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Ver com os olhos livres


Se eu tô alegre
Eu ponho os óculos e vejo tudo bem
Mas se eu tô triste eu tiro os óculos
Eu não vejo ninguém
(Herbert Vianna)

Em algum momento já escrevi que textos datados me irritam profundamente, pois, afinal, datas são meras convenções. Não se precisa esperar o dia certo para começar ou terminar algo: seja manhã, tarde ou noite, o primeiro ou último dia da semana, do mês ou do ano, o tempo passa indiferente às convenções humanas. Os segundos, por exemplo, passariam mesmo se fossem chamados de terceiros. Até aí, tudo bem, esse raciocínio só provaria que sou uma pessoa consciente e avessa a ritos de passagem. Mentira! Nem eu nem meu texto podemos escapar às tais batidas na porta da frente. Ele não tem pra onde correr, porque, se o fizesse, deixaria de ser crônica; eu não tenho pra onde correr, porque em janeiro estou de férias e, sendo assim, inevitavelmente, minha rotina muda depois de pular sete ondinhas.

Quando se é menino e a saúde transborda pelos poros, espera-se pelas férias como quem deseja um período de anistia, sem leis, no qual as regras podem ser todas subvertidas – mais ou menos o que os adultos querem do carnaval. Longe de casa e dos pais, agregado a uma outra família, seja de parentes ou não, o pequeno pimpolho pode fazer tudo o que é proibido durante o ano. Volta depois carregado de hábitos estranhos, alergias, doenças respiratórias e anticorpos. Feliz, diga-se de passagem! Quando se é adulto e não se tem possibilidade de viajar atrás de anticorpos nacionais e importados, o sujeito de férias procura as doenças na própria carcaça. Como? Marcando exames!!!

Foi numa dessas que na semana passada estive em um punhado de consultórios médicos com a esperança de que me dissessem que, apesar de uma vida desregrada e irresponsável, teria direito a mais algumas dezenas de “continue” para ir tocando em frente. Coração? Ok! Ossos? Ok! Respiração? Cof, cof, Ok! Fígado? Deixa pro ano que vem! Enfim, tudo dentro dos meus conformes! Faltava apenas dar um confere na visão e mandar fazer os novos óculos. Foi, então, na última consulta que me aconteceu o inesperado: contrariando a todas as minhas expectativas, simplesmente e sem pedir licença, a Oftalmologista disse assim, na lata: “Você não precisa mais usar óculos”. (Pausa reflexiva...)

Como assim? Pasmei. Que golpe! Não é possível que, depois de quase vinte anos forjando essa cara de pseudointelectual, alguém tenha coragem de olhar para a minha cara – agora só com dois olhos – e dizer com toda a naturalidade que acabou, que eu tenho de me contentar só com os dois que Deus me deu e pronto! Então agora estou condenado a não poder dar mais desculpas, a não poder mais fingir que não vi, passar direto, pular uma linha, comer uma sílaba, errar uma conta, digitar o número errado...??? Meu Deus!!! Ver com os olhos livres, como queria Oswald de Andrade, é, enfim, uma grande prisão. Estou condenado a enxergar tudo!!! E o pior é que em 2014 teremos eleições. Medo!!!

Márcio Hilário

14-01-2014

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Deixa ver se eu entendi direito



Recebi hoje de manhã mais um convite para lecionar – só na última semana foram sete (conta de mentiroso, né?). Expliquei educadamente que não poderia aceitar a proposta, visto que assumi outros compromissos profissionais que me impedem de realizar as atividades concomitantemente. Dito isso, o diálogo logo se encaminhou para seu desfecho, cumprindo todos os ritos formais das despedidas telefônicas. No entanto, penso agora que poderia ter continuado de outro modo:

― Ok, então! Deixa eu desligar, porque preciso correr atrás de outro professor...

― Outro professor? Como assim, meu caro! Para o meu lugar???... Não... não importa se tecnicamente não era o meu lugar, mas poderia ser. Eu sou o mais qualificado para isso, você mesmo disse, e ralei muito pra chegar até aqui, tá? Perdi noites e mais noites de sono estudando, nunca fiquei reprovado na escola, passei num vestibular concorridíssimo para uma das melhores universidades do país, onde cursei bacharelado, licenciatura, mestrado e doutorado, para agora um Zé Ninguém como o senhor ter a cara de pau de dizer que pode existir alguém que aceite fazer o que eu não quis???

― Peraí, peraí! Deixa ver se eu entendi direito: o senhor não quer aceitar a vaga que lhe oferecemos, mas também não quer que outra pessoa aceite. Sei. Então, a sua proposta é que fiquemos sem professor e pronto?!

― É isso mesmo: já que eu não quis, também não quero que ninguém queira!!!

― É... eu acho justo alguém querer algo! Eu, por exemplo, quero uma coisa, sabe o quê? Eu quero que o senhor vá à... tu-tu-tu-tu...

Se esse diálogo tivesse ocorrido de fato, eu desligaria o telefone logo que percebesse a entonação da crase. No entanto, para a minha felicidade, sei que ele é para mim completamente inverossímil, porque entendo que meu esforço pessoal e minha trajetória acadêmica não me colocam acima do bem e do mal. Existe um compromisso ético e cidadão que me faz compreender que, se não posso ajudar, devo ao menos não atrapalhar. Infelizmente, algumas categorias profissionais forjadas nas ideologias oligárquicas e racistas do século XIX não pensam assim e acham feio tudo aquilo que não lhes é espelho. Defensores de um discurso meritocrático com laivos de narcisismo, acreditam ter conquistado o direito de hostilizar àqueles que lhes ameaçam o trono. É uma pena! Eles não estão entendendo nada... nada... absolutamente nada!

Márcio Hilário
29-08-2013

quinta-feira, 25 de abril de 2013

Ligamento cruzado



Detesto autoajuda. Mas não é que não goste ou que tenha algum enfado apenas, não suporto, tenho verdadeira ojeriza, asco, nojo... vomitei! E explico o porquê, meu amigo leitor, só para você parar com essa cara de que detesta textos escatológicos: considero insuportavelmente equivocada e traiçoeiramente nefasta a ideia de querer responsabilizar única e exclusivamente o indivíduo pela situação adversa ou inversa na qual ele se encontre. É claro que um pensamento negativo não ajuda em nada, mas, na prática pura e simples do mundo real e concreto, ele gera o mesmo resultado de qualquer outro tipo de pensamento: nenhum. O pensamento é apenas uma fabulação abstrata, que pode até motivar transformações, mas, para que elas ocorram, ele precisa se transformar em ações.

Deixe-me explicar o motivo dessa minha nova questão para que você não pense que eu esteja sofrendo de algum tipo de reação adversa após a leitura acidental de um texto do Mago Coelho. No último mês, passei pela experiência de, após uma cirurgia no joelho direito, ter de reaprender a andar depois dos trinta anos. Calma! Não se trata aqui de uma história de superação, pois assim cairíamos na armadilha da promoção da autoajuda, mas certamente tem a ver com uma nova perspectivação da realidade. Obviamente, não quero dizer que passei a dar mais valor às pequenas coisas porque as perdi temporariamente. Acho isso tão lamentável e escroto quanto aquela prática de levar crianças ricas para conhecerem orfanatos a fim de, com isso, elas passarem a dar mais valor à família e ao que têm em casa. Ou seja, você vê a dor do outro e dá graças a Deus por não ter de senti-la. Uma aula de solidariedade burguesa! Não é isso! Desse caminho eu estou fora! Mas quero retomar minha linha de raciocínio considerando duas dimensões sobre essa questão.

A primeira delas é o aspecto individual sim e alguns poderão até confundir com autoajuda, embora eu negue isso até o último dos meus dias. Ocorre que observando a progressão dos fatos recentes pelos quais passei e os objetos com que precisei contar e com os quais convivi, como cama, cadeira de rodas e muletas, entendi que nossas maiores necessidades são altamente mutáveis a cada dia e que cada etapa ganha e perde seu valor. Machado de Assis falou sobre isso no conto “O espelho”, quando disse que a alma exterior do ser humano, ou seja, aquilo que o completa existencialmente, muda de forma e muda de figura constantemente. Por isso, quando eu era criança, achava que um brinquedo era muito mais legal do que acho hoje, assim como há alguns dias atrás ter conseguido ir ao banheiro sozinho foi muito mais incrível do que é agora. Aliás, as barras de apoio no vaso e no chuveiro já estão quase voltando a ser invisíveis de novo.

É aí que entra a segunda dimensão do que eu aprendi: a invisibilidade. Percebi que deficiente mesmo é o modo como a sociedade enxerga o deficiente. Desculpe o uso do termo politicamente incorreto, mas precisei dele para criar o trocadilho! Como portador temporário de uma necessidade especial, não aprendi a dar mais valor à minha capacidade motora, desenvolvi sim foi uma profunda indignação que se soma a outras tantas que eu já acumulo e que no fundo têm sempre o mesmo pano de fundo: a exclusão. Ela é mais do que um princípio, é um valor cultivado, disseminado e perpetuado em nossa sociedade. Se o mundo fosse pensado numa perspectiva inclusiva, ele seria acessível para todos. Todos! Seus corredores seriam largos, suas portas seriam mais amplas, seu chão seria menos irregular e teríamos rampas menos íngremes e mais elevadores. No entanto, como os arquitetos do mundo se consideram os eficientes, todos os caminhos continuarão estreitos e suas portas permanecerão fechadas.

Enfim, o que verdadeiramente importa na vida de alguém não é o pensamento positivo, mas o pensamento coletivo. Quem tem de mudar de atitude diante da vida não é o chamado deficiente, mas o que se acha eficiente. O que de fato precisamos, meu caro Coelho, é de menos autoajuda e de mais cidadania.


Márcio Hilário
25-04-2013

quinta-feira, 11 de abril de 2013

Tia Nastácia ameaçada de demissão?



Sempre que vejo o anúncio de mais uma reportagem "Global" mostrando o que muda e o que não muda na relação dos patrões com as empregadas domésticas a partir da nova legislação trabalhista aprovada pelo congresso nacional, chego à mais pura e simples conclusão: estamos diante da reação nervosa de uma casta de valores escravocratas. Toda essa insistência para explicar tuuuuddddooo o que mudou nada mais é do que um profundo desejo de que naaaaaddddaaaa mude. Usando a lógica do cansaço, deseja-se que a lei morra prematura. Afinal, quantas não foram as leis que “não pegaram” no Brasil? A Lei Áurea é seria um bom e oportuno exemplo, né?

As elites sempre estabeleceram com suas serviçais da "casa grande" uma pseudorelação de familiaridade, a qual só serviu para domesticá-las e impedir-lhes que lutassem por um mínimo de dignidade no seu local de trabalho. Humilhadas pelas patroas, estupradas pelos patrões, as escravas do lar aguentaram caladas todas as humilhações. Não foram raras as que nasceram e morreram achando que tudo isso era natural. Ontem, sobravam os troncos, ferros e açoites; hoje, faltam condições dignas para exercer sua atividade, faltam direitos elementares para o trabalhador e para a pessoa humana e faltam remunerações justas e adequadas.

A classe média, por sua vez, engrossa o coro dos descontentes. Claro! Como que uma pessoa que trabalha para mim pode requerer os mesmos direitos que eu cobro do meu patrão? Que petulância! Quer dizer que somos iguais agora? Pois é: soco no estômago! Essa pequeno-burguesia ainda ontem batia no peito dizendo que era um horror chamar a Creusa de empregada: aqui em casa ela é nossa secretária. Dois dias depois, a patroa sente a punhalada nas costas e, enquanto a autora do golpe fatal limpa o sangue da carteira de trabalho, a moribunda ainda tem tempo de olhar a assassina nos olhos e dizer: “Até tu, Creusa?!”.

Fico pensando em como Monteiro Lobato receberia a notícia da mudança dessa relação de trabalho. Será que ele aceitaria que aquela negra ignorante se virasse para a Dona Benta e pedisse a sua parte da grana da vendo do livro de receitas? Pois é, porque eu não me lembro de ter lido nada sobre aquela velha fritando um ovo sequer. Diga-se de passagem, ela sempre foi a maior historinha. A pobre da Tia Nastácia é que ficava com o umbigo o dia todo no fogão e sendo perturbada por aqueles viciados em pó de pirilimpimpim. Dona Benta, por sua vez, como uma grande matriarca das famílias brasileiras, proclamava em alto e bom tom o princípio igualitário nacional: “Não quero que trate Nastácia desse modo. Todos aqui sabem que ela é preta só por fora!”.


Márcio Hilário
11-04-2013

domingo, 31 de março de 2013

Ad immortalitatem



Embora não seja muito do meu feitio usar este espaço de linhas suburbanas para dar eco às notícias que circulam por aí pela imprensa ou ainda que também esteja longe de meus horizontes a ideia de tornar-me um mero escravo do calendário, quero usar este último dia do mês de março para repactuar-me com o tempo.

O primeiro passo é lembrar que estamos na véspera do Dia da Mentira, que teve seu ápice no Brasil, especificamente no milésimo nongentésimo nonagésimo quarto ano do nascimento do Nosso Senhor Jesus Cristo, quando militares e membros da sociedade civil decidiram colocar o país nos eixos desencadeando uma revolução. Esqueçamos as questões religiosas e a contagem histórica do tempo e foquemos só nas “nossas” mentiras: onde se lê revolução do dia trinta de março, leia-se golpe civil-militar de primeiro de abril. De resto, é certo que o país entrou nos eixos... desde que entendamos duas metonímias, trocando “país” por “alguns brasileiros” e “eixos” pela ideia de “máquinas de tortura e morte”.

Segundo os golpistas e a sociedade civil organizada que apoiou aquela ação e ainda hoje manifesta por ela certo saudosismo de quem deixou o trabalho incompleto (leia-se: gente viva), tudo era para ser apenas temporário. E foi. Só que os poucos meses, viraram vinte anos. Ah! Sejamos brandos, apenas duas décadas! Afinal, meses, anos, décadas, tudo é unidade de medida tempo, poxa! Sim. É essa não diferenciação entre o transitório e o permanente que faz com que, no Brasil, todos que entraram para ficar só um pouquinho acabem querendo ficar um pouquinho mais.

Foi nessa de querer ganhar um “continue” que o então presidente Tucano Henrique passou por cima da revolução dos bichos e jogou todas as fichas, moedas, notas e cargos para a aprovação da sua reeleição. Infelizmente (só para ele, claro!), aqui no Brasil não se pode ficar no poder ininterruptamente ad infinitum. Por isso, tento perdido prestígio e sendo praticamente esquecido pela ascensão de um certo tipo de molusco, só resta a Tucano Henrique tentar coroar sua infinita vaidade com outra expressão latina: ad immortalitatem. Agora, eu só me pergunto uma coisa: como pode ser eleito para a Academia Brasileira de Letras um homem que mandou que esquecêssemos tudo o que ele escreveu?

Espero que, desta vez, acontecendo ou não no dia primeiro de abril, este triste provável acontecimento histórico possa ser futuramente lembrado como apenas uma mentirinha de mau gosto.

Márcio Hilário.
31-03-2013